Os 5 “P” do marketing botequeiro
Confesso que não sei, mas duvido muito que Jerome McCarthy e Philip Kotler, o Pelé e o Rogério Ceni da história do marketing, tenham tido a oportunidade de provar o pastelzinho de bacalhau que a Dona Rosa Brito vende na Academia da Gula, na Vila Mariana, em São Paulo, ou de tomar um chope no balcão do Bracarense, no Leblon.
McCarthy, professor da Universidade de Michigan (EUA), foi o pai da teoria dos 4 "P" do mix de marketing, que seriam a base para o sucesso de uma marca ou um negócio. E Kotler tratou de propagar a ideia do colega mundo afora.
Ambos sairiam satisfeitos, naturalmente, depois da experiência de beber e petiscar em dois dos melhores botecos brasileiros. Mas ficariam surpresos ao saber que em um bom boteco é possível encontrar, na prática, toda a teoria apregoada por McCarthy.
"O que é um bom boteco? Que negócio é esse?" – ao longo de vinte anos trabalhando como repórter, colunista, crítico, visitando bares no Brasil e no exterior, avaliando e comentando as virtudes e os defeitos dos bares, e, a partir de agora, como colunista de Cultura de Boteco do UOL , tenho ouvido muito essa pergunta. E outras também: "mas o que diferencia o boteco de um bar qualquer?" "Tal lugar é um boteco?".
Não são perguntas fáceis de responder. Já engabelei muitos inquiridores ao longo desse tempo (pela absoluta ausência de uma resposta pronta) mas, de tanto botecar, conversar e filosofar no balcão ou na mesa de um boteco, finalmente acho que cheguei a uma resposta.
Um bom boteco, portanto, é aquele que pratica os 4 "P" do marketing. Ou, melhor, um bom boteco é tão bom, mas tão bom, que aprimorou a teoria e acrescentou um quinto "P". Vamos lá:
1. Preço: um bom boteco não pode esfolar o bolso do freguês. Não deve, ou, não deveria, cobrar 15 reais por uma empadinha ou 30 reais por um churrasquinho. Por que não seguir o exemplo do City Bar, botecaço de Campinas aberto há sessenta anos, e cobrar 7 reais pelo bolinho de bacalhau? Ou seja, um bom boteco deve ter bom preço, que no fundo é a satisfação entre o que você paga e o que lhe é entregue.
2. Praça: um bom boteco tem de estar bem localizado e oferecer conforto ao freguês. Conforto não é luxo, atenção. Mas quem chega a um boteco tem de se sentir acolhido como no colo da avó, à vontade como se estivesse jogando futebol de botão com os amigos no quintal de casa. Se você nunca sentou-se ao balcão do Valadares, na Lapa paulistana, para comer um torresmo e tomar uma gelada, não vai entender do que estamos falando. É um luxo. Da mesma forma, a localização é tudo. Que o diga meus fraternos companheiros de balcão que costumam depositar vossos cotovelos e copos de cerveja no balcão do Botequim do Hugo. Em pleno Itaim Bibi, de restaurantes estrelados quando não executores de uma comida de modinha, o Hugo e a Emiliana vão te servir um belo de um sanduíche buraco quente com gorgonzola. Deixe a frescura, o trânsito e a formalidade do lado de fora e venha ser feliz. Mas às 10 da noite você vai virar abóbora, porque a essa hora o Hugo vai passar a última rodada.
3. Produto: um bom boteco tem uma cozinha de responsa. Deve saber gelar a cerveja e o chope na temperatura certa. Tem uma história gastronômica e um legado a defender, um petisco pra chamar de seu. Muitos botecos servem bolinho de carne, outros tantos vendem coxinha. Mas é só no Bar do Luiz Fernandes, na zona norte paulistana, que você vai encontrar o bolinho de carne da Dona Idalina e é só na Freguesia do Ó que você vai comer a… coxinha do Frangó.
4. Promoção: se a propaganda é a alma do negócio, como diria o Olivetto, todos deveríamos aprender com o exemplo de La Bodega Ardosa e Casa Baranda, dois botecos maravilhosos de Madri. Ambos são vizinhos e pertencem aos mesmo donos. Em fevereiro passado, estive muito rapidamente na capital da Espanha – 3 horas, durante uma conexão de volta ao Brasil – e resolvi tomar um copo de vinho na Ardosa, que existe desde o século 19, e que conheci em 2015. Ao fechar a conta, recebi um voucher que me dava a cortesia de provar a porção de batatas bravas na Casa Baranda. Eu tinha ainda uma meia horinha antes de voltar ao aeroporto e resolvi gastar meu voucher. Não apenas comi as batatas – fritinhas na hora, deliciosas –, mas ganhei um pratinho de azeitonas enquanto tomei dois copos de chope.
5. Pessoas: eis a grande contribuição dos botecos para as ideias de McCarthy, o quinto "P". Um boteco é feito de gente: do garçom eficiente; daquele camarada que pousou ao seu lado no balcão e vai levar duas horas para terminar o copo de conhaque – sem puxar papo com você; da confraria de amigos que se encontra ali toda terceira quinta-feira do mês desde 1900 e bolinha; e do dono, que tem de estar atrás do balcão sempre que não estiver fazendo outra coisa. Na ausência do dono, que a tarja de capitão seja entregue a alguém que zele por tudo. E que esteja junto do bar, mesmo em outra dimensão, como é o caso da Conceição e do Moreira, o casal que fundou o Barção Moreira, no bairro de São Gabriel, perto da PUC, em Belo Horizonte. O Moreira morreu em março passado e a Conceição tornou-se a única guardiã do bar. No boteco, Conceição nunca estará só.
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