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Boteclando

FrangÓ, onde a coxinha verde-amarela e a cerveja belga se entendem

Miguel Icassatti

04/07/2018 16h32

Fotos: divulgação FrangÓ

Na era do "chupa", o brado bestial que vem usurpando toda aquela velha alegria que só um grito de gol é capaz de nos dar, talvez não haja melhor lugar do que o FrangÓ para assistir em clima de fair-play a este Brasil x Bélgica que se avizinha.

"Sobe o morro, mano!" – conforme costuma dizer o Norberto, um dos donos do bar – e você verá porque vale a pena torcer para que Bélgica e Brasil ultrapassem qualquer rivalidade futebolística em benefício da histórica amizade gastroetílica entre a cerveja deles e a nossa coxinha, a célebre coxinha do FrangÓ.

Num tempo em que beber cerveja em São Paulo era praticamente um par ou ímpar entre Antarctica e Brahma, foi nas mesinhas instaladas na calçada e no salão do bar, instalado em um casarão tombado e centenário, de frente para a Igreja de Nossa Senhora do Ó, que conheci outros sabores, cores, ouvi falar sobre lúpulo, malte e tudo o que envolve essa bebida.

 

E pensar que não haveria cerveja belga ali na Freguesia se não fosse a coxinha é o melhor da história, afinal, tudo começou em 1987, quando Cassio e Valdecyr Piccolo, filho e pai, abriram uma rotisseria. Vendiam pratos prontos, bolos para festa e um famoso frango grelhado, responsável pelas enormes filas à porta, cuja receita até hoje é controlada por Valdecyr, num preparo que considera 24 horas de imersão em uma marinada composta por um escrete de 11 temperos e servido com farofa e vinagrete (R$ 54,00). Para acalmar esse contingente, passaram então a vender cerveja e coxinha a quem estivesse na espera. E 31 anos depois, a coxinha (R$ 34,00 a porção com dez) continua sendo esculpida, uma a uma, pelo trio mágico formado por Cida, Ivoneide e o Antônio. A depender de quem chama o jogo, o salgado sai ligeiramente mais atarracado à la Romário, delgado como o Doutor Sócrates ou redondo estilo Ronaldo: coxinha artesanal é isso aí, torcida brasileira.

De volta àquele finzinho dos anos 1980 e início dos 1990, Cassio Piccolo era uma cervejófilo, assim como o amigo Norberto D'Oliveira, que viria ser o terceiro elemento no comando do FrangÓ. No boca-a-boca, a dupla cerveja & coxinha foi roubando a fama dos pratos da rotisseria que, claro, seria convertida num boteco sui generis, um ponto de referência para quem quisesse beber e conhecer tudo sobre cerveja.

Valdecyr (sentado), Norberto (à esq.) e Cassio: o trio à frente do FrangÓ

 

Tudo mesmo, já que Norberto e Cassio sempre foram os garimpeiros dos rótulos. Em duas expedições realizadas à Bélgica, por exemplo, visitaram dezenas de cervejarias, cujos exemplares foram sendo incluídos no que hoje é uma das mais completas listas de cerveja do mundo, certamente.

Na verdade, esse menu nunca foi apenas uma sequência de nomes e preços, mas um pequeno manual didático, com informações técnicas, estilos, países de origem e características das cervejas – conteúdo esse que hoje é personificado também na figura do beer sommelier Fabiano Bellucci.

Só da Bélgica são 120 rótulos à venda, em média – das nacionais há a metade disso, cerca de 60 –, entre os quais a Vedett Bière Blanche (R$ 24,00 a garrafa de 330 ml), a Kasteel Blonde (de R$ 34,00 por R$ 26,00 a garrafa de 330 ml) e clássicos, como as tripel Karmeliet (R$ 84,00, de 750 ml) e St. Bernardus (R$ 38,00, de 300 ml), ambas produzidas nas abadias dos monges trappistas.

Até de um tira-teima cervejeiro entre o sagrado e o profano é possível fazer no FrangÓ: estão ali a DeuS (R$ 300,00), cerveja elaborada ao estilo do champanhe, ou seja, com segunda fermentação na garrafa, e a Duvel (R$ 32,00 a 300 ml), uma das belgas mais conhecidas, e cujo nome alude à palavra "devil" (ou "o tinhoso", em tradução livre por conta do blog) e ao apelido da seleção belga de futebol, os Diabos Vermelhos.

Nesse duelo entre Deus e o coisa-ruim na terra da coxinha, eu fico com 2 a 1 pra nós.

FrangÓ. Largo da Matriz de Nossa Senhora do Ó, 168, Freguesia do Ó, São Paulo.

Sobre o autor

Miguel Icassatti é jornalista e curador da Sociedade Paulista de Cultura de Boteco. Foi crítico de bares das revistas “Playboy” (1998-2000) e “Veja São Paulo” (2000), editor-assistente e um dos fundadores do “Paladar/jornal O Estado de S. Paulo” (2004 a 2007), editor dos guias “Veja Comer & Beber” em 18 regiões brasileiras (2007 a 2010), editor-chefe do Projeto Abril na Copa (Placar) e da revista “Men’s Health Brasil” (2011 a 2014). É colunista de “Cultura de Boteco” da rádio BandNews FM e correspondente no Brasil da “Revista de Vinhos” (Portugal).

Sobre o blog

Os petiscos, as bebidas, os balcões encardidos, as pessoas e tudo que envolve a cultura de boteco e outras histórias de bar.