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Boteclando

A sutil diferença entre o frango e o galeto

Miguel Icassatti

01/08/2018 21h08

FrangÓ: assado na brasa, com 11 temperos / Foto: divulgação

 

 

Ele costuma nos fazer visitas mensais aos domingos. E é sempre bem-vindo. Tal qual acontecia comigo quando eu era criança, mal se põe à mesa e minhas filhas agarram-no pelas pernas. A mim costumam sobrar aquelas asinhas, sempre de fora, e minha mulher começa a conversa, como direi, com o peito aberto.

A bem da verdade, algumas vezes retribuímos-lhe a visita e vamos até um de seus muitos endereços na cidade.

Sim, estamos falando do frango assado, esse patrimônio paulistano e, ok, carioca, belorizontino, sulista, brasileiro.

Um franguinho no almoço dominical é a certeza de um repasto feliz.

Disponível numa padaria ou rotisseria perto de você, a girar nos espetos daquelas maravilhosas TVs de cachorro – uma das melhores invenções da humanidade –, o franguinho assado também simboliza a gastronomia de alguns botecos. E o que é melhor, nesses locais ele é assado na brasa e ganha aquele tostado complementar.

Eu já ia defender a tese aqui de que frango e galeto seriam a mesma coisa, mas me dei conta que há diferenças entre eles, sobretudo quando apelamos a critérios geográficos.

Nos Rios de Janeiro e Grande do Sul, por exemplo, comi excelentes galetos. Aqui em São Paulo, frango assado.

Explico: tanto no sul como em Copacabana as boas casas do ramo servem a ave em tamanho menor, abatida com poucas semanas de vida, com seus 600 gramas em média.

No Rio Grande do Sul são famosas as galeterias que preparam o "galeto ao primo canto", pequenino e bem assado, num sistema de rodízio que inclui capeletti in brodo, macarrão, polenta frita e salada de almeirão (ou "radite") com bacon. Uma delas é a Casa di Paolo, com unidades em Gramado e Porto Alegre. Estive na da Serra Gaúcha, região que, aliás, é o provável berço da receita, uma herança dos imigrantes italianos que faziam a passarinhada, sim, com passarinhos, pombos e outras aves que costumavam caçar nos campos. Úmido, bem saboroso, o galeto ao primo canto da Casa di Paolo é muito bem-temperado com uma marinada de sálvia, manjerona, cebola, alho, orégano, vinho branco, cerveja e azeite.

Quando estou no Rio de Janeiro, e agora já não sei se meu olhar e meu olfato  estão teleguiados, sempre tenho a impressão de que todos os galetos do mundo estão reunidos em Copacabana. Lá se vão doze anos desde que me dei conta disso, depois do memorável show dos Rolling Stones na praia de Copacabana. Eu me lembro, era um entre 1,2 milhão de pessoas que naquela noite de 18 de fevereiro de 2006 haviam acabado de assistir ao que talvez seja o maior concerto de rock a história.

Eu estava bem perto do palco, que havia sido montado em frente ao Copacabana Palace. Faminto, tive a ideia de seguir até o Cervantes para comer um sanduíche de pernil antes de arriscar uma caminhada até o Leblon.

Mas o Cervantes estava fechado. Bati com a cara na porta mas o cheiro que vinha da brasa do boteco vizinho na Barata Ribeiro, o Galeto Sat's, me fisgou. O salão diminuto, um corredor, estava lotado, mesas ocupadas, mas logo consegui um banquinho no balcão, bem de frente para a churrasqueira na qual eram dourados alguns galetos. Devorei um inteiro, cheiroso, com a carne tenra e a pele crocante.

Em outra estada no Rio, em uma caminhada por Copacabana, dei de cara com o Crack dos Galetos. No meio do quarteirão, balcão lotado, galetinho quase tão bom quanto ao do Sat's.

São Paulo, com sua mania de grandeza e talvez por sua paciência e muitos milhares a mais de boca para alimentar, espera o bichinho crescer e ganhar um pesinho extra. Eis a diferença para o galeto.

É sempre um alívio chegar a um dos nossos preferidos, O Brazeiro, no fim de semana e ver que aquela multidão que se forma à entrada está na verdade à espera do seu franguinho para viagem. Atrás da multidão, o balcão do bar está à direita e no lado oposto a churrasqueira, com uma bateria de aves espetadas a arder na brasa.

Vencido o corredor polonês, há sempre uma mesa à disposição, naquele salão parado no tempo. Recebemos sempre as boas-vindas com o molho de cebola, a farofa e o pão italiano crocante da padaria Ana Neri, no Cambuci, dispostos sobre a mesa.

Do outro lado da cidade, e já citei a iguaria em outro post aqui no blog, na Freguesia do Ó está também outro fantástico frango assado na brasa. No caso, o do FrangÓ, que é preparado sob a supervisão do Valdecyr, um dos sócios, da mesma maneira há trinta anos: a ave fica numa marinada de um dia para o outro, submersa em onze temperos. E no FrangÓ, a gente sabe, ainda temos o upgrade da coxinha e da melhor carta de cervejas da cidade.

No, por assim dizer, meio do caminho entre o Brazeiro e o FrangÓ eu costumo parar no Pira Grill, na Vila Madalena, sobretudo para almoços tardios aos sábados. É um bar feito e cuidado por quem gosta de bar, no caso a Vera e o Pedro. Não me lembro de ter pedido outra coisa ali senão o franguinho assado na brasa acompanhado do que para este humilde polentófilo é a melhor polenta frita de São Paulo. Aqueles cubinhos de fubá de milho têm a casquinha crocante e o miolo macio. Aceite minha sugestão: o segredo é esperar uns minutinhos até que a polenta esfrie um pouco, já que sai da cozinha pelando. E volte sempre.

Vai lá:

O Brazeiro. Rua Luis Goes, 843, Vila Clementino, São Paulo.

Casa di Paolo. Rua Garibaldi, 23, centro, Gramado.

O Crack dos Galetos. Rua Domingos Ferreira, 197, Copacabana, Rio de Janeiro.

FrangÓ. Largo de Matriz de Nossa Senhor do Ó, 168, Freguesia do Ó, São Paulo.

Galetos Sat's. Rua Barata Ribeiro, 7, loja D, Copacabana, Rio de Janeiro.

Pira Grill. Rua Wisard, 161, Vila Madalena, São Paulo.

Sobre o autor

Miguel Icassatti é jornalista e curador da Sociedade Paulista de Cultura de Boteco. Foi crítico de bares das revistas “Playboy” (1998-2000) e “Veja São Paulo” (2000), editor-assistente e um dos fundadores do “Paladar/jornal O Estado de S. Paulo” (2004 a 2007), editor dos guias “Veja Comer & Beber” em 18 regiões brasileiras (2007 a 2010), editor-chefe do Projeto Abril na Copa (Placar) e da revista “Men’s Health Brasil” (2011 a 2014). É colunista de “Cultura de Boteco” da rádio BandNews FM e correspondente no Brasil da “Revista de Vinhos” (Portugal).

Sobre o blog

Os petiscos, as bebidas, os balcões encardidos, as pessoas e tudo que envolve a cultura de boteco e outras histórias de bar.