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Boteclando

Um boteco é uma ideia

Miguel Icassatti

15/08/2018 23h56

Caipirinha do Totò / foto: divulgação

Longe de mim querer contradizer o que escrevi no primeiro post da encarnação atual deste blog, em fins de maio passado, quando tentei definir objetivamente o que é um boteco. Nestes tempos em que, tudo indica, o jornalismo será salvo pelas agências de fact-checking, não serei eu a cair em contradição.

Mas convém dizer que a objetividade, tal qual toda unanimidade rodrigueana, é burra. De modo que, parafraseando Luiz Inácio, um boteco é uma ideia.

Digo mais, um boteco é uma ideia, uma emoção.

O Totò, por exemplo. Objetivamente falando, essa casa instalada no meio do quarteirão de uma rua tranquila na Vila Olímpia é um restaurante de culinária italiana, onde a chef e proprietária Luiza Helena Fitipaldi Bistolfi prepara e serve massas muito boas (gosto especialmente do carbonara) e petiscos deliciosos, entre eles os bolinhos de alho-poró.

Mas, toda vez que vou até lá (e faz um bom tempo que não me dou este presente), tomo o Totò como um boteco. Afinal, sigo direto para o canto esquerdo do balcão retangular, aboleto-me na banqueta, cumprimento o Alfredo e vou logo ao briefing: "não tendo maracujá nem goiaba, fique à vontade. E quero com cachaça, é claro".

Alfredo Martins é um excepcional fazedor de caipirinhas. Observar a meticulosidade com que ele corta em finíssimas fatias os cajus, as kinkans, os umbus e os limões-cravo – que ficam devidamente acondicionados, cada uma no seu quadrado – para montar os drinques é um saboroso pré-aperitivo (se é que isso existe…).

Levo um bom tempo para beber a caipirinha do Alfredo. Naquela fase em que restam no (belo, por sinal) copo apenas o gelo quase derretido, o cheiro da caninha e as frutas maceradas e encharcadas, não me constranjo, espeto os pedaços com a ponta do mexedor e vou comendo uma a uma, numa variação etílica e pessoal do "fare la scarpetta", o hábito italiano de raspar o prato com o miolo do pão.

O Totò, para minha sorte, fica a duas quadras da maternidade São Luiz, onde nasceram minhas duas filhas.

A caçula completa 3 anos hoje. Cantamos parabéns à mesa do jantar, em casa, mas eu não poderia deixar de lembrar do Totò, onde ergui o primeiro brinde às duas maiores emoções da minha vida.

Vai lá:

Totò. Rua Doutor Sodré, 77, Vila Olímpia.

Sobre o autor

Miguel Icassatti é jornalista e curador da Sociedade Paulista de Cultura de Boteco. Foi crítico de bares das revistas “Playboy” (1998-2000) e “Veja São Paulo” (2000), editor-assistente e um dos fundadores do “Paladar/jornal O Estado de S. Paulo” (2004 a 2007), editor dos guias “Veja Comer & Beber” em 18 regiões brasileiras (2007 a 2010), editor-chefe do Projeto Abril na Copa (Placar) e da revista “Men’s Health Brasil” (2011 a 2014). É colunista de “Cultura de Boteco” da rádio BandNews FM e correspondente no Brasil da “Revista de Vinhos” (Portugal).

Sobre o blog

Os petiscos, as bebidas, os balcões encardidos, as pessoas e tudo que envolve a cultura de boteco e outras histórias de bar.