Topo

Boteclando

Grande dica, seu Edilson!

Miguel Icassatti

27/09/2018 01h26

Salão do Bar dos Cornos / foto: MIguel Icassatti

Em 1998, eu era feliz e sabia. Foi o ano em que fui contratado como repórter da Playboy, para indicar aos leitores da revista os melhores bares se São Paulo.

Foi ali que tudo começou para mim, mais precisamente com a tarefa incumbida pelo editor Ricardo Castilho, de perfilar os "Dez adoráveis botecos de São Paulo".

Eu tinha uma lista de uns 13 ou 14 bares a apurar, dos quais eu deveria selecionar os dez finais. Desse paulistanian-bohemian hall of fame, faziam parte, por exemplo, o FrangÓ, na Fregueisa do Ó; o Léo, no centro; o Elídio, na Mooca; o Valadares, na Lapa; o Bar do Leonel, no Tatuapé, e os bares do Luiz, tanto o do Mandaqui como o da Saúde.

Nesse périplo pela botecagem de São Paulo, fui conduzido pelo Seu Edilson, um cooperado da Alternativa, a cooperativa de motoristas que prestava serviços à Editora Abril, empresa que publicava Playboy.

Seu Edilson, se bem me lembro, dirigia um Fiat Uno (que hoje é o Mille) branco. Tinha cara de bolacha, óculos de aro grosso, bigode, uns 50 e poucos anos. Com o trabalho, sustentava a mulher e a filha, uma delas, não me lembro qual, com grave problema de saúde. Era um guerreiro, e astuto, tanto é que lá pelas tantas criou coragem e me disse:

– Garoto, você está fazendo uma reportagem sobre botecos, né? Conhece o Bar dos Cornos, no Jaguaré? Acho que vale a pena incluir na sua lista.

Combinei com ele o seguinte: iríamos a todos os botecos da minha pauta e, se sobrasse tempo, eu topava conhecer o Bar dos Cornos.

Minha apuração avançou bem e num fim de tarde de quinta-feira seguimos para o Jaguaré.

Naquele tempo, o Bar dos Cornos tinha certa fama na região, menos por causa da vasta seleção de cachaças – 150 rótulos! – e mais pela comédia que era o conjunto temático da obra criada pelo Fernando, português de Oeiras, o dono do bar.

A começar pela coleção de chifres espalhados pelo salão do boteco, instalado em uma rua residencial do Jaguaré – atenção para essa informação.

Quem entrasse no bar e passasse pela porta vaivém, como aquelas dos saloons do Velho Oeste, era surpreendido por uma campainha que dava boas-vindas ao "corno" visitante. Direito imediatamente adquirido, o sujeito passava a ostentar um par de chifres cenográfico.

Tamanha irreverência fez crescer a fama do Bar dos Cornos, a ponto de sim, ter sido incluído naquela reportagem de Playboy, e de aparecer em programas de TV. Reconhecimento merecido.

Mas havia, no Jaguaré, um vizinho que não gostava do Bar dos Cornos e que conseguiu que o boteco tivesse de passar o ponto, pois, de acordo com o zoneamento de meados dos anos 2000, aquela área era estritamente residencial.

O boteco mudou para um imóvel próximo, duas ruas abaixo, num salão maior, mas não vingou. Cheguei a conhecer, ali por 2006 ou 2007, mas o lugar era realmente ruim.

Eis que há cinco meses, o Bar dos Cornos voltou para seu endereço original, de onde nunca deveria ter saído, afinal, graças à mudança na lei de zoneamento.

Não há mais, porém, aquela centena e meia de cachaças à venda. Hoje são cerca de 15 rótulos, entre os quais o da paraibana Maribondo, produzida desde 1901, da Solar, destilada em Santa Catarina (R$ 6,00 a dose) e da mineira João Mendes ouro (R$ 8,00).

O detector de cornos continua lá, assim como a coleção de chifres, os hinos de Raul Seixas nas caixas de som e até o Cornomóvel – um Landau, digamos, customizado, fica estacionado na porta – que o seu Fernando dirige com muito carinho.

Pastel de jabá / foto: MIguel Icassatti

 

Para comer há o baião-de-dois (R$ 34,00), a porção de torresmo (R$ 22,00) e o pastel de jabá (R$ 6,00), do tamanho do prato, enter outros itens.

Mesinhas ocupam a calçada e eu me acomodo em uma delas. A garçonete Luana vem tirar meu pedido, dali a pouco me trará a dose de cachaça e eu ergo um brinde ao Seu Edilson:

– Obrigado por ter me apresentado a este grande boteco!

Vai lá:

Bar dos Cornos. Rua Araicás, 240, Jaguaré.

Sobre o autor

Miguel Icassatti é jornalista e curador da Sociedade Paulista de Cultura de Boteco. Foi crítico de bares das revistas “Playboy” (1998-2000) e “Veja São Paulo” (2000), editor-assistente e um dos fundadores do “Paladar/jornal O Estado de S. Paulo” (2004 a 2007), editor dos guias “Veja Comer & Beber” em 18 regiões brasileiras (2007 a 2010), editor-chefe do Projeto Abril na Copa (Placar) e da revista “Men’s Health Brasil” (2011 a 2014). É colunista de “Cultura de Boteco” da rádio BandNews FM e correspondente no Brasil da “Revista de Vinhos” (Portugal).

Sobre o blog

Os petiscos, as bebidas, os balcões encardidos, as pessoas e tudo que envolve a cultura de boteco e outras histórias de bar.