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Boteclando

Vó Leonor e as ostras

Miguel Icassatti

09/01/2019 18h07

Ostras do restaurante Vó Leonor, na Ilha do Mel: as melhores / Fotos: Miguel Icassatti

Quando menino, dei muito trabalho à minha mãe na hora das refeições e, especialmente, à minha avó Leonor, que era quem mandava na cozinha de casa. "Vai ficar com anemia", quantas vezes ouvi dela esse aviso, por rejeitar o bife preparado especialmente para o neto, que recusara a carne, por sei lá, ter decidido que agora queria comer um franguinho. O feijão, porém, nunca foi negado. Ninguém neste mundo soube engrossar o caldo como ela.

Professora e funcionária pública aposentada, a vó Leonor era ótima cozinheira, embora de repertório limitado, muito mais, creio eu, pelo desejo de agradar aos paladares dos descendentes e do marido do que pela falta de habilidade. Todos os dias tinha arroz e feijão em casa, às vezes feijão preto ou tutu. Chuchu, mandioquinha, mandioca, batata cozida (e frita para o neto). E uma carne, que poderia ser de panela, bife à milanesa, linguiça, uma costelinha, ensopado de frango ou frango frito. Aos domingos, nhoque ou macarrão. Raramente havia peixe, não fazia sucesso. Sempre tinha empadinha, bolo e café no bule.

Por sorte, e desde cedo, a vida tratou de me colocar diante de desafios à mesa. Na "casa dos outros", paciência, não havia chance de fazer desfeita. Se a namorada gostava de comida japonesa, íamos lá armar os pauzinhos e encarar o niguíri. E na função de repórter da área de gastronomia, aprendi (creio que este seja o verbo correto: aprender) a comer muita coisa. Um dos primeiros ensinamentos de meu ex-chefe e mestre Ricardo Castilho foi este: você não precisa gostar de comer fígado, mas tem de saber se o fígado que lhe é servido está bem preparado. Pura verdade.

Ostra, por exemplo, é algo que aprendi a comer – tardiamente. Não me lembro de ninguém no meu raio familiar de primeiro grau que tenha dividido uma porção de ostras comigo. Mas não esqueço daquelas maravilhosas que comi em Paris na companhia da Jane, prima da minha mãe, e do Luc-Michel, marido dela, perto do ateliê de molduras que ele mantém na frente da estação de metrô Pont Marie. Haviam sido pescadas no dia, na Bretanha. Nem da primeira vez, uns quinze anos atrás, na Praia de Boa Viagem, em Recife, encorajado pelos queridos amigos Emerson e Carol, que eram fregueses do ambulante ali na areia, altura do Edifício Acaiaca (já, já, voltarei a Boa Viagem).

Modéstia a parte, minhas Marias, de 3 e 6 anos, vêm tendo a curiosidade de experimentar de tudo um pouco. Elas têm suas preferências, é claro, mas acho que Camila e eu estamos fazendo um bom trabalho. Ciça adora arroz de bacalhau, um torresminho e, ok, começou a encarar o alface.

Quando tinha 1 ano e meio, Bebel promoveu um escarcéu quando acabou o guisado de bode que lhe foi servido pela minha amiga Sandra. As irmãs foram bem diante da farofa do Natal, turbinada com pescoço de peru, embora tivessem protestado ao saber, posteriormente, o que eram aqueles pedacinhos de carne gostosos que estavam em meio à farinha torrada.

Ostras no bafo, do Vó Leonor

No último domingo de 2018, durante nossas curtas férias na Ilha do Mel, ambas me surpreenderam. Um dos grandes momentos do passeio de barco que fizemos ao cair da tarde, e que teve direito à companhia de vários golfinhos, foi a pausa para comer ostras na Ponta Oeste da ilha, onde uma comunidade de pescadores cultiva o molusco.

O trapiche leva direto a um salão muito simples, envidraçado e de cozinha aberta, onde são servidas ostras in natura, no bafo (R$ 35,00 a dúzia) e com queijo gratinado (R$ 40,00 a dúzia).

Sentado à mesa em meio a um grupo de dez a doze pessoas, quando provei o que reputo ter sido as melhores ostras que comi até hoje em nosso litoral, ofereci-as às meninas, certo de que recusariam.

Qual nada!

Ciça provou uma no bafo e deu o veredito: "É… Médio."

E você, Bebel, gostou? A resposta positiva veio na forma de um balançar de cabeça e o pedido: "Quero mais."

Que orgulho.

A reação das duas sintetizou minha primeira impressão, naquele fim de tarde em Boa Viagem, onde, aliás, vivem meus amigos Cecília e Daniel, que são fregueses de Chapelão, que diariamente compra ostras trazidas de Itapissuma, município a 35 quilômetros do Recife, e põe à venda enquanto caminha pela areia, indo e vindo no trecho entre o Edifício Acaiaca e a Praia de Boa Viagem – dois pontos de referência na orla.

Chapelão cobra R$ 20,00 pela porção do molusco (com 20 unidades) e serve temperada com limão, azeite, pimenta e cominho.

Por coincidência, neste sábado, o Sede261, wine bar das sommelières Daniela Bravin e Cassia Campos localizado em Pinheiros, vai servir a partir das 14 horas ostras vindas de Santa Catarina, com molhos preparados pela chef Yukie Habashima (R$ 32, 00 a porção com 6 unidades). Para acompanhar, vinho branco Muscadet, do Vale do Loire, ideal, a partir de R$ 20,00 a taça.

Outro porto seguro para este aprendiz de ostras é o Jabuti, botecaço que fica em frente ao Instituto Biológico, na Vila Mariana. Às terças e sextas a casa recebe os moluscos vindos de Cananeia, litoral sul do estado de São Paulo. A dúzia custa R$ 45,00.

O nome do restaurante das melhores ostras da Ilha do Mel?

Vó Leonor, jamais esquecerei.

 

Vai lá:

Jabuti. Rua Conselheiro Rodrigues Alves, 1315, Vila Mariana.

Sede261. Rua Benjamin Egas, 261, Pinheiros.

Chapelão. Praia de Boa Viagem, entre Edifício Acaiaca e Padaria Boa Viagem, Recife.

Vó Leonor. Ponta Oeste, Ilha do Mel.

Sobre o autor

Miguel Icassatti é jornalista e curador da Sociedade Paulista de Cultura de Boteco. Foi crítico de bares das revistas “Playboy” (1998-2000) e “Veja São Paulo” (2000), editor-assistente e um dos fundadores do “Paladar/jornal O Estado de S. Paulo” (2004 a 2007), editor dos guias “Veja Comer & Beber” em 18 regiões brasileiras (2007 a 2010), editor-chefe do Projeto Abril na Copa (Placar) e da revista “Men’s Health Brasil” (2011 a 2014). É colunista de “Cultura de Boteco” da rádio BandNews FM e correspondente no Brasil da “Revista de Vinhos” (Portugal).

Sobre o blog

Os petiscos, as bebidas, os balcões encardidos, as pessoas e tudo que envolve a cultura de boteco e outras histórias de bar.