Feijoada, dry martini e 3 gotas de vermute
Entre os anos de 2008 e 2011, talvez 2010, o número 700 da Rua Padre João Manuel, esquina com Alameda Tietê, hospedou o Dry, um bar de curta mas memorável existência.
Sob o comando dos empresários Roberto Suplicy e Germano Fehr, o Dry teve como barmen o grande Rocha (que havia trabalhado com Suplicy no saudosíssimo Supremo, na esquina da Consolação com a Oscar Freire) e o carismático Kascão, que ali preparavam os baby dry, versões em miniatura do clássico coquetel.
As noitadas eram embaladas pelo drinque e pela trilha sonora que saía de um aparelho até então novidadeiro, que Roberto Suplicy havia trazido de Miami: um mixer de iPod. Quem tivesse um desses aparelhinhos, aliás, podia colocar seu setlist nas caixas de som.
Lembro-me que, na época, fiquei impressionado com a velocidade com a qual se foi a garrafa de Noilly Prat, o vermute que o Kascão e o Rocha usavam na receita do dry martini: ela durou meros quatro meses.
Reza a lenda que certa vez alguém perguntou ao lendário barman Harry Craddock, que trabalhou no The Savoy Hotel, em Londres, nos anos 1920 e 1930:
– Por que seus dry martini são sempre idênticos?
Craddock respondeu:
– Porque há vinte anos minha garrafa de vermute é a mesma.
Kascão e Rocha usavam 3 gotinhas do vermute Noilly Prat em seus dry martini. No quatro primeiro meses de vida do Dry, prepararam cerca de 5.000 desses drinques. Como cheguei a esse número?
Para calcular o volume de uma gota de vermute, fiz uma experiência muito simples: desci ao ambulatório do edifício da Editora Abril – na época eu era editor de Veja, revista publicada pela empresa – e pedi à enfermeira que introduzisse três gotas de um remédio qualquer em uma seringa de aplicação de insulina, aquelas de 1 mililitro.
Apurei que as três gotas alcançaram o volume de 0,15 mililitro, o que deu 0,05 mililitro por gota.
Uma vez que o conteúdo líquido de uma garrafa do vermute Noilly Prat é de 750 mililitros e uma gota de vermute tem 0,05 mililitro, inferi que o vasilhame comporta 15 000 gotas de Noilly Prat. Se em cada dry martini eram adicionadas três gotas do vermute, logo, dividi 15.000 por 3, cujo resultado é… 5.000.
A título de comparação, liguei na época para o Mestre Derivan, que era na altura barman do Esch Café: ele manuseava a mesma garrafa de vermute havia mais de um ano. Em tempo: ele também pingava (e continua pingando) três gotas no seu excelente dry martini. Falei também com o Souza, então no comando do balcão do Veloso, que me disse que só abriu a segunda garrafa no bar depois de três anos.
Passada uma década, sempre que topo com aquela esquina lembro-me imediatamente do Dry. Já faz uns anos, funciona ali no mesmo ponto o Cebola Brava, um boteco honesto – conforme bem definiu um amigo que é vizinho do bar – ao qual fui ontem almoçar, pela primeira vez.
Por 22 reais comi, de fato, uma honestíssima e saborosa feijoada, das completas: com todos os pertences, incluídos aí a orelha e o pé de porco, o que, convenhamos, dão uma certa liga à receita.
Farofinha boa, couve bem cozida, um torresminho com um teco do couro, arroz branco, molho de pimenta suave e, para fechar, a cortesia de uma boa batida de limão.
Não há dry martini no cardápio.
Vai lá:
Cebola Brava. Rua Padre João Manuel, 700, Jardim Paulista.
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