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Boteclando

O dia em que Jamelão bebeu 4 caipirinhas feitas por mim

Miguel Icassatti

07/03/2019 00h07

Jamelão e as caipirinhas: acho que foram aprovadas / Foros: Miguel Icassatti (acervo pessoal)

Eu já contei brevemente esta história na primeira encarnação deste blog, onze anos atrás. Mas já que a Mangueira acabou de ganhar o vigésimo – e merecido – título do carnaval carioca, resolvo compartilhar novamente, como uma forma de homenagear a escola e a vitória do samba-enredo "História pra ninar gente grande", por meio do qual os integrantes contaram uma história do Brasil  que exaltou heróis da resistência negros e índios, anônimos ou desconhecidos da maioria do público até o desfile da madrugada de terça-feira passada.

Era um domingo qualquer do ano de 2006 e eu acordei com vontade de preparar uma moqueca (os capixabas que me desculpem, mas azeite de dendê é fundamental), na panela de barro que minha querida amiga Sandra havia me presenteado.

De última hora, convidei alguns amigos (Sandra, é claro; Zéu, que aniversariou neste 2019 em pleno carnaval; Caio, Carol, Camila, Rodrigo e Juliana estavam entre eles) e, confirmadas as presenças, segui naquela mesma manhã para o Mercado Municipal a fim de comprar uns camarões.

Jamelão e a moqueca: convidado-surpresa à casa deste que vos escreve

No caminho de volta para casa, meu celular tocou. Era o Airton, confirmando um tanto quanto tardiamente a presença: "estarei lá, sim, mas… posso levar um amigo?"

Àquela altura já não dava para colocar mais camarão na panela de barro, mas, tudo bem, "a gente capricha no leite de coco", pensei.

Meus convidados começaram a chegar, até que o porteiro informou que o Airton estava na portaria.

– Pode falar pra subir, por favor.

Quando abri a porta para recebê-lo (e ao amigo), eis que dou de cara com José Bispo Clementino dos Santos, o Jamelão.

– Este aqui é que é meu amigo, tudo certo?, desconcertou-me o Airton, que estava também acompanhado da Beth, que era meio agente, meio secretária do maior de todos os intérpretes da Marquês de Sapucaí, que naquela época fazia uma temporada de shows às quartas-feiras no Bar Brahma.

Voltei à cozinha para administrar o almoço enquanto pedi ajuda à minha mãe, sempre a primeira a chegar, para acomodar as visitas.

Jamelão encostou a bengala na parede e preferiu sentar-se à ponta da mesa.

Lembro que ofereci-lhe cerveja, cachaça e uísque. Mas ele quis tomar… caipirinha.

E lá fui eu preparar o drinque, tentando não esquecer dos macetes passados pelo Derivan e o Souza (hoje dono do próprio boteco, Esquina do Souza), dois gigantes da coquetelaria nacional: primeiro, cortar o limão ao meio, no sentido longitudinal e retirar aquela membrana branca, que deixa o coquetel amargo; em segundo lugar, macerar a mistura do limão com o açúcar (uma colher das de sopa) com jeito, e não com força, quebrando a munheca.

Daí foi só encher o copo com gelo e completar com cachaça.

Evidentemente, Jamelão, aos 92 anos, foi o centro das atenções daquele almoço dominical, embora a Beth, ex-mulher do grande centro-avante tricolor Serginho Chulapa, também revelou histórias interessantíssimas.

Convidados de um almoço dominical: a mãe do repórter, Beth e Jamelão

Jamelão relembrou dos grandes bailes e gafieiras cariocas dos anos 1930 e 1940, quando foi crooner; cochilou; e deixou escapar que não se dava assim tão bem com Cartola, o grande compositor.

Ao fim daquele domingo, não faltou camarão na moqueca nem cachaça para as quatro caipirinhas que preparei, no capricho, para o inesquecível Jamelão.

Vai lá:

Bar Brahma. Avenida São João, 677, centro.

Esquina do Souza. Rua Coronel Melo de Oliveira, 1066, Pompeia.

Sobre o autor

Miguel Icassatti é jornalista e curador da Sociedade Paulista de Cultura de Boteco. Foi crítico de bares das revistas “Playboy” (1998-2000) e “Veja São Paulo” (2000), editor-assistente e um dos fundadores do “Paladar/jornal O Estado de S. Paulo” (2004 a 2007), editor dos guias “Veja Comer & Beber” em 18 regiões brasileiras (2007 a 2010), editor-chefe do Projeto Abril na Copa (Placar) e da revista “Men’s Health Brasil” (2011 a 2014). É colunista de “Cultura de Boteco” da rádio BandNews FM e correspondente no Brasil da “Revista de Vinhos” (Portugal).

Sobre o blog

Os petiscos, as bebidas, os balcões encardidos, as pessoas e tudo que envolve a cultura de boteco e outras histórias de bar.