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Boemia na telona - Parte II: o cinema e 12 bares inesquecíveis

Miguel Icassatti

27/04/2020 14h16

Rick's Café: no clássico Casablanca / Fotos: reprodução e divulgação

O mocinho desce de seu cavalo e prende o animal a um poste. Ajeita o chapéu, caminha a passos lentos e firmes, sobe o degrau, empurra a porta vaivém e adentra ao salão. Um segundo de tensão toma conta do ambiente enquanto ele chega ao balcão e pede uma dose de uísque. Sentado ao fundo, o vilão se levanta rapidamente e empunha a espingarda. É inútil. Do balcão, nosso herói saca do coldre sua pistola e acerta em cheio o adversário, que cai sobre a mesa, derrubando a garrafa de Bourbon.

Durante a era de ouro dos filmes de faroeste, nos anos 1950 e 1960, uma cena como essa era um clichê ao qual Sergio Leone, John Sturges e John Ford, entre outros diretores, não fugiam. A pena é que esses bares do Velho Oeste eram identificados apenas como "Saloon".

Felizmente, em diversos outros gêneros de filmes, da ficção científica à animação, os estúdios de Hollywood e mesmo as produções, por assim dizer, independentes inseriram bares marcantes em suas histórias. O blog selecionou alguns deles, embora a lista seja enorme, com os fictícios e os de verdade, que poderão ser visitados pelos leitores assim que a pandemia der uma trégua, por que não?

Rick's Café, de Casablanca (1942)

Rick's Café, em Casablanca: inaugurado em 1998

Vencedor de três Oscar – filme, direção e roteiro adaptado – Casablanca (1942) é um dos maiores clássicos do cinema, estrelado por Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Muitas cenas dessa trama que tem como pano de fundo a Segunda Guerra ocorreram no Rick's Café, um bar em Casablanca frequentado por estrangeiros. Embora o bar fosse construído em estúdio, em 1998 a cidade marroquina ganhou uma versão real. Uma empresária americana aproveitou-se do fato de que muitos turistas chegavam a Casablanca e não encontravam referencias ao filme, para abrir o bar em um palacete local fronteiriço com a medina. A decoração relembra fielmente o bar do filme e no cardápio constam drinques clássicos como o apricot velvet, feito com champanhe e damasco.
Rick's Café. 248 Boulevard Sour Jdid, Place du Jardin Public, Anciènne Médina, Casablanca, Marrocos.

Korova Milkbar, de Laranja Mecânica (1971)

Korova Milk: um bar disruptivo de Kubrick

Da mente disruptiva do diretor Stanley Kubrick só poderia mesmo sair um bar como o marcante Korova, onde o protagonista Alex, acompanhado de sua gangue, enchia a cara de moloko e toda sorte de Korova Plus, misturas de leite com drogas diversas, antes de sair para as noitadas violentas. O bar, que aparece já na cena de abertura, era decorado com mesas em forma de mulheres, em posição de quatro apoios, nuas, com cabelos coloridos e de cujos seios saía leite. Nas paredes é possível ver o nome dos drinques servidos ali, como o moloko e o vellocet.

The Gold Room, de O Iluminado (1980)

O Iluminado: Jack Nicholson no Gold Room

Também dirigido por Stanley Kubrick, O Iluminado é um clássico de terror-psicológico e traz Jach Nicholson em mais uma de suas interpretações marcantes. Seu personagem, Jack Torrance, é um escritor em fase de bloqueio criativo, que se muda com a família para trabalhar como caseiro do Hotel Overlook, nas montanhas do Colorado, durante todo o inverno. Seu filho, Danny, passa a ter visões e o filme se desenrola enquanto Jack fica cada vez mais perturbado. Uma das grandes passagens acontece no bar The Gold Room, com o diálogo de Jack e o barman. O hotel, na realidade, é o The Stanley, que cobra diárias a partir de 299 dólares. E o bar chama-se Cascades.
Cascades Restaurant, The Stanley Hotel. 333 Wonderview Avenue Estes Park, Colorado.

O Cascades hoje: no The Stanley, o hotel de O Iluminado

 

Cocktails & Dreams, de Cocktail (1988)

Cocktais & Dreams: Framboesa de Ouro para o filme

Tom Cruise já era um dos maiores galãs do cinema, graças ao sucesso de Top Gun, quando topou fazer esse filme que foi laureado com os troféus Framboesa de Ouro de pior filme e pior roteiro. Como protagonista, era um barman aprendiz do bombado Cocktails & Dreams. De fato, a história é ruim, mas deu visibilidade ao estilo "flair" de coquetelaria, aquele em que os bartenders fazem acrobacias com as garrafas e coqueteleiras durante o preparo dos drinques (ah, os anos 1980…). O Cocktails & Dreams do filme era ficção mas Cruise tomou aulas de coquetelaria na finada casa novaiorquina John Clancy's Seafood Restaurant.

 

Moe's Tavern, de Os Simpsons (1989)

Moe's Tavern, em Orlando: reprodução fiel da animação

O boteco frequentado por Homer Simpson em Springfield existe e fica, na verdade, dentro do complexo de parques da Universal em Orlando, Flórida – embora existam homônimos espalhados pelo território estadunidense, de Iowa a Rhode Island. Pudera, Moe's Tavern equivaleria ao nosso onipresente Bar do Zé. A reprodução fiel do bar que aparece tanto no longa-metragem quanto nos episódios da série inclui até a cerveja Duff.
Moe's Tavern. World Expo, Orlando.

 

The Copacabana, de Os Bons Companheiros (1990)

The Copacabana: em novo endereço novaiorquino

Filmes de gângster esbanjam em cenas em que bandidos e mocinhos aparecem em bares e restaurantes glamorosos. Com este já clássico de Martin Scorcese, indicado a seis Oscar, não foi diferente. No caso, trata-se do Copacabana Bar, casa que de fato fez fama em Nova York. Foi inaugurada em 1940 e existiu até 1992 na 60th Street, endereço que serviu de locação para o filme. O plano-sequência que mostra a primeira vez em que o personagem de Ray Liotta leva Lorraine Bracco para jantar ali é memorável. Mostra a fachada, os bastidores até a triunfal chegada ao salão. Hoje o Copacabana fica nos arredores da Tomes Square.
The Copacabana. 268, 47th Street, 8th Avenue, Nova York.

 

Titty Twister, de Um Drink no Inferno (1996)

Titty Twister: no lado mexicano da fronteira

Violência pouca é bobagem neste policial dirigido por Robert Rodriguez, cujo roteiro foi escrito por Quentin Tarantino. Tarantino também interpreta um dos irmãos protagonistas da trama – o outro é George Clooney – que, juntos sequestram um pastor e sua família no sul dos Estados Unidos. Em fuga, cruzam a fronteira com o México e logo param num bar-boate de beira de estrada, o Titty Twister. Nesse lugar surreal, eles verão que os frequentadores são vampiros.

 

Coyote Ugly, de Show Bar (2000)

Coyote Ugly: depois do filem, bar se tornou uma bem-sucedida franquia

Coyote Ugly é um bar fundado em 1993 na cidade de Nova York e que depois do filme – cujo nome original é, justamente, Coyote Ugly – ganhou treze filiais nos Estados Unidos, além de unidades em outros seis países. No cinema, é o bar da cidade grande ao qual a protagonista Violet (Piper Perabo) chega, vinda de sua cidadezinha natal, em busca do sonho de se tornar compositora. Antes de alcançar seu objetivo, porém, ela tem de trabalhar como bartender na casa, onde passa a faturar um bom punhado de dólares com gorjetas ao dançar ao lado das outras bartenders sobre o balcão.
Coyote Ugly. 135 First Avenue, Nova York.

 

New York Bar, de Encontros e Desencontros (2003)

New York Bar: vista arrebatadora de Tóquio

O maravilhoso piano-bar na cobertura do Park Hyatt Hotel de Tóquio, do qual tem-se uma vista panorâmica da cidade, marca o encontro dos personagens Bob Harris e Charlotte, respectivamente interpretados por Bill Murray e Scarlett Johansson. Ele, um ator, está na cidade para gravar o comercial de uma marca de uísque, enquanto a garota, que está no Japão acompanhando o namorado, um fotógrafo, passa muito tempo sozinha. Insones graças à mudança de fuso horário, eles engatam uma complexa história na qual o bar acaba por ter um papel decisivo.
New York Bar, Park Hyatt Hotel. 3-7-1-2, Nishishinjuku, Tóquio.

 

The Dubliner e Nye's Polonaise, em Factotum (2005)

The Dubliner: pub ao estilo de Bukowski

Baseado na obra do escritor Charles Bukowski, Factotum tem como protagonista o personagem Henry Chinaski, o alter-ego do autor, interpretado por Matt Dillon. Morto em 1994, Bukowski tinha uma literatura crua e raivosa, biográfica. Beberrão que foi, levou aos livros muitas histórias em bares ordinários, sobretudo na Califórnia. O filme, porém, foi rodado em St. Paul e Minneapolis, no estado americano de Minnesota. Ao longo da película, dois bares se destacam: o pub The Dubliner, onde Chinaski encontra-se com Jan (Lili Taylor), e o Nye's Polonaise, um bar especializado em coquetéis, hoje fechado, que chegou a ser eleito em 2006 pela revista Esquire como o melhor bar dos Estados Unidos.
The Dubliner. 2162 University Avenue West, St. Paul, Minnesota.

 

Polidor, de Meia-noite em Paris (2011)

Polidor, em Paris: endereço centenário recebeu Hemingway e outros escritores

Na fase em que trocou Nova York por outras cidades como pano de fundo de seus filmes, Woody Allen fez pequenas obras-primas, como Match Point (2005), rodado em Londres; Vicky Cristina Barcelona (2008), na Espanha; Para Roma com Amor (2012), na Itália; e Meia-noite em Paris. Nesse último, Allen viaja à mítica capital francesa dos anos 1920, com seus personagens não menos simbólicos, entre os quais o escritor Ernest Hemingay, autor, aliás, do póstumo Paris É uma Festa, sobre o qual falamos aqui. Gil Pender, o protagonista interpretado por Owen Wilson, encontra-se justamente com Hemingway, num efervescente Le Polidor. A casa existe pelo menos desde o século 19 e está localizada a um quarteirão do Boulevard Saint Michel e dos Jardins de Luxemburgo.
Polidor. 41 Rue Monsieur Le Prince, 5o Arr., Paris.

Sobre o autor

Miguel Icassatti é jornalista e curador da Sociedade Paulista de Cultura de Boteco. Foi crítico de bares das revistas “Playboy” (1998-2000) e “Veja São Paulo” (2000), editor-assistente e um dos fundadores do “Paladar/jornal O Estado de S. Paulo” (2004 a 2007), editor dos guias “Veja Comer & Beber” em 18 regiões brasileiras (2007 a 2010), editor-chefe do Projeto Abril na Copa (Placar) e da revista “Men’s Health Brasil” (2011 a 2014). É colunista de “Cultura de Boteco” da rádio BandNews FM e correspondente no Brasil da “Revista de Vinhos” (Portugal).

Sobre o blog

Os petiscos, as bebidas, os balcões encardidos, as pessoas e tudo que envolve a cultura de boteco e outras histórias de bar.