Um século depois, a malfadada volta dos speakeasies raiz
Independentemente do contexto de cada país em relação às medidas de prevenção e combate e pandemia do covid-19 – refiro-me às quarentenas (caso do Brasil), declaração de estado de emergência (Portugal) e lockdown (Espanha e Itália) – os bares estão entre as categorias de serviços tidas como não essenciais e, portanto, devem figurar entre os últimos segmentos da economia a voltar ao (novo) normal com suas operações.
Em três estados da Alemanha, por exemplo, conforme escrevi em post duas semanas atrás, os estabelecimentos foram reabertos, mas com capacidade limitada. Aqui em São Paulo, bares vêm atendendo em sistema de delivery ou para retirada e, é bem verdade, alguns vêm dando o seu jeitinho, irresponsável, diga-se, de servir uma cerveja à janela ou sobre aquelas mesas com as quais bloqueiam a entrada de possíveis fregueses.
Um amigo me conta que a irmã que vive em Morbihan, na região francesa da Bretanha, contou-he que alguns botecos locais vêm trabalhando de forma clandestina, à meia-porta, no melhor estilo speakeasy. E nos Estados Unidos, segundo reportagem de quinta passada do jornal britânico Daily Mail, com informações do The New York Post, esse estilo de bar, por assim dizer, renasceu depois de um século, como um efeito colateral das determinações de combate ao novo coronavírus.
Não me refiro aqui aos speakeasy nutella, esses que emulam os originais, quer seja por sua fachada discreta, quer seja por serem acessíveis apenas a poucos e, hum, bons cujos nomes constam nas listas VIP controladas por hostesses à porta desses endereços. Mas, sim, a algo mais próximo, ao menos no que se refere à aura, daqueles que surgiram durante o período da Prohibition, a Lei Seca americana, que perdurou entre 1920 e 1933 e tornou ilegal a fabricação, o transporte e a venda de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos.
Para atender ao público que queria continuar bebendo, mesmo que desafiando essa que foi a 18ª emenda à constituição do país, muitos bares e boates clandestinos apareceram, de costa a costa. A expressão speakeasy é atribuída ao fato de que esses bares eram conhecidos na base da propaganda boca-a-boca, e também porque os clientes tinham de sussurrar seus nomes, ou alguma senha, para terem a entrada liberada nesses locais. Esses bares ocupavam porões ou endereços escuros, quase disfarçados, que não chamavam atenção. Mas a New York National Historical Society estima em 100.000 o número de speakeasies em operação no fim da década de 1920.
Muitos deles foram geridos ou frequentados por gângsteres envolvidos com a indústria ilegal de bebida alcoólica – Al Capone, apenas para ficarmos no mais notório fora-da-lei de então, era habituê do Green Mill, em Chicago, que conheci em 2011 e contei aqui.
De volta à reportagem do Mail, corre à boca pequena que em Nova York ao menos quatro bares têm funcionado ilegalmente, apesar da ordem de fechamento expedida em março pelo governador Andrew Cuomo.
Um deles seria um famoso bar em Upper East Side; o segundo, um lounge; o terceiro é um "moderno hotel " que abriu as portas para servir bebida aos amigos do dono – a reportagem chegou a telefonar a uma fonte que havia estado lá na terça-feira passada, que se mostrou surpresa com a descoberta, mas entregou: o bar do tal hotel foi mesmo aberto para mais de um evento secreto; e o quarto corona-speakeasy seria um badalado bar na Broome St., no Lower East Side, frequentado por nomes como Spike Lee e Donald Trump 02, digo, Jr.
No dia 30 de março, após ter flagrado doze pessoas bebendo e jogando no Miami II Sport Cafe, no Brooklyn, a polícia novaioquina prendeu Vasil Pando, dono da baiuca, sob a acusação de venda ilegal de álcool, violação da ordem do bloqueio e promoção de jogos de azar. Se condenado, poderá ter de pagar até 10.000 dólares de fiança.
Perdeu, Pando.
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