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Boteclando

No Dia Internacional do Bacon, 8 lugares para comer um bom torresmo

Miguel Icassatti

05/09/2020 15h41

Se a gente for analisar ao pé da letra, há um erro histórico na localização do bacon no corpo dos suínos: de acordo com a etimologia da palavra bacon, a matéria-prima anatômica dessa iguaria – e a do nosso amado torresminho – deveria ser as costas do porco e não a barriga.

Explico: o Online Etymology Dictionary diz que a palavra "bacon" deriva do germânico arcaico bakkon e do holandês também antigo baken e significa "carne das costas e das laterais do porco".

Originalmente – estamos falando do século XIV –, o bacon era, portanto, a carne das costas do porco, crua ou curada. De fato, essa região dorsal dos suínos é a base do lardo, uma espécie de primo rico do bacon. Trata-se de uma camada de gordura que é extraída do lombo do animal, salgada e temperada com alecrim e sálvia, entre outras especiarias, e que passa por um longo período de cura, de seis meses, em alguns casos. Embora o lardo seja produzido em vários lugares, inclusive no Brasil, o mais famoso e desejado é o lardo di Colonnata, oriundo dessa cidadezinha italiana da região da Toscana.

E, quem diria, na árvore etimológica do bacon – que nada mais é o toucinho defumado –, o lardo é o ancestral direto, já que toucinho vem do latim ibérico tuccinum (lardum), que gerou o tocino (espanhol) e, por extensão, o luso-brasileiro toucinho.

O lado gastronômico e ainda mais saboroso dessa história é que de uns tempos para cá o bacon, o toucinho, o torresmo e todo tipo de produto advindo da barriga de porco, enfim, vêm sendo redimidos e tratados com a devida atenção.

Ao ponto de, nos Estados Unidos, ser comemorado o "International Bacon Day", uma gaiatice das boas, a bem da verdade. A "data" foi criada em 2004 por estudantes no estado do Colorado e é celebrada no sábado anterior ao Dia do Trabalho, que ocorre por sua vez na primeira segunda-feira de setembro. Ou seja, neste sábado, 5 de setembro de 2020, os fãs do bacon rendem-lhe homenagens e o ingrediente é incluído em todo tipo de receita e refeição: do café da manhã à sobremesa e até na coquetelaria.

Bem que poderíamos seguir o exemplo dos gringos e estabelecer por aqui o Dia Nacional do Torresmo, que tal? Setembro é uma época, ainda mais porque em 13 de setembro celebramos o Dia Nacional da Cachaça, que é a companheira do torresmo por excelência. Para inspirar aqueles que concordam com a ideia, compartilho uma lista afetiva com alguns endereços e seus maravilhosos torresmos e variações:

Torresmo do Bar do Edu: quase um cereal matinal / Fotos: Miguel Icassatti

Bar do Edu: no boteco discretamente localizado numa das franjas do bairro da Vila Olímpia, a dois ou três quarteirões do cruzamento das avenidas Santo Amaro e Bandeirantes, em São Paulo, o torresmo é delicadamente fatiado em quadradinhos finos, e frito na hora. Não à toa, os mais chegados referem-se a ele como "sucrilhos".

Bar do Tião: Localizado em Jacareí, no Vale do Paraíba, a 80 quilômetros de São Paulo, o boteco serve talvez o maior torresmo do Brasil. Cada unidade chega a ter 20 centímetros de comprimento. É frita na hora e está disponível no prato ou num espetinho.

Dr. Costela: primeiro, o chef Celso Frizon enrola as enormes peças de barriga de porco, amarra e leva à uma marinada com manjericão, alecrim, tomilho, salsinha e outros temperos. A seguir, leva à brasa, onde a carne será assada lentamente e a pele irá ganhar uma bela cor acobreada. Antes de servir, com a pele muito quente, ele derrama água sobre o couro para que se forme a pururuca.

Espaço Tambiú: a casa é especializada em cozinha pantaneira e amazônica. Portanto, os peixes de rio ocupam lugar de destaque no cardápio. O torresmo de peixe servido nesse endereço no bairro do Pacaembu, em São Paulo, é uma adaptação da versão difundida nos barcos-hotéis de Corumbá (MS), preparada com piranha. É feito com lombo de pacu, espinha e pele temperados com sal, pimenta e vinho branco. Depois de passar pela farinha de trigo vai ao óleo bem quente, por 2 minutinhos .
Torresmo do Hilda Botequim / Foto: Miguel Icassatti

Hilda Botequim: no agradável e acolhedor boteco localizado em uma pracinha da bucólica Vila Ipojuca, na zona Oeste de São Paulo, o torresmo passa três horas marinando na banha antes de ser frito e fatiado em pedaços pequeninos, sequinhos – e deliciosos.

Mocotó: foi o próprio chef Rodrigo Oliveira que contou ao blog os macetes no preparo do maravilhoso torresmo da famosa casa da zona Norte de São Paulo. "É preparado ao longo de doze horas, período em que as tiras de barriga de porco ficam em uma marinada e depois são desidratadas", diz. A barriga então é mergulhada numa solução de água com bicarbonato de sódio por seis horas. Em seguida, escorre-se a carne, que fica pendurada num secador a 60 graus, por mais três horas. A peça então é aparada, para que cada torresmo apresente uma perfeita combinação de pele, gordura e carne, cortada e frita a 150 graus por 15 minutos. Em seguida, vai ao tacho novamente, a 190 graus, por três minutos. Um espetáculo.

Patorroco: na mesma BH do Casa Cheia, cidade em que torresmo é levado a sério, esse bar localizado no bairro do Prado tem um modo de preparo "simples", nas palavras do chef Patorroco. "É uma receita da roça, feita com barriga de porco, à moda slowfood", desconversa.

Valadares: a produção diária nesse tradicional boteco da zona Oeste paulistana não para. A estufa do balcão é reposta a todo momento. Assim, o torresmo-raiz da casa está sempre quentinho.

Vai lá:

Bar do Edu. Rua Andrade Pertence, 209, Vila Olímpia, São Paulo (SP).

Bar do Tião. Avenida Santa Helena, 524, São João, Jacareí (SP).

Dr. Costela. Rodovia Régis Bittencourt, quilômetro 293,5, Itapecerica da Serra (SP).

Espaço Tambiú. Rua Traipu, 607, Pacaembu, São Paulo (SP).

Hilda Botequim. Praça Sá Pinto, 67, Vila Ipojuca, São Paulo (SP).

Mocotó. Avenida Nossa Senhora do Loreto, 1100, Vila Medeiros, São Paulo (SP).

Patorroco. Rua Turquesa, 875, Prado, Belo Horizonte (MG).

Valadares. Rua Fáustolo, 463, Vila Romana, São Paulo (SP).

Sobre o autor

Miguel Icassatti é jornalista e curador da Sociedade Paulista de Cultura de Boteco. Foi crítico de bares das revistas “Playboy” (1998-2000) e “Veja São Paulo” (2000), editor-assistente e um dos fundadores do “Paladar/jornal O Estado de S. Paulo” (2004 a 2007), editor dos guias “Veja Comer & Beber” em 18 regiões brasileiras (2007 a 2010), editor-chefe do Projeto Abril na Copa (Placar) e da revista “Men’s Health Brasil” (2011 a 2014). É colunista de “Cultura de Boteco” da rádio BandNews FM e correspondente no Brasil da “Revista de Vinhos” (Portugal).

Sobre o blog

Os petiscos, as bebidas, os balcões encardidos, as pessoas e tudo que envolve a cultura de boteco e outras histórias de bar.