Precisamos falar sobre o molho de cebola
Tia Alicinha é uma das irmãs mais novas da minha avó, a única, em meio a uma penca de irmãos, ainda a habitar este mundo, assim como o santo tio Hugo. Numa família de cozinheiras e quituteiras brilhantes, é a ela que recorro quando quero comer os tutus de feijão que Dona Leonor não fez, a melhor carne moída que este mundo terá visto. Uma pena, a teimosia dela em não fritar mais para este e todos os outros sobrinhos-netos os pasteis com os quais, ao lado do companheiro de uma vida, o saudoso Tio Carlinhos, ergueu duas casas – a segunda delas é o refúgio em que vive sozinha na cidade de Sabará, no alto daquele bucólico morro onde reside muita gente simples em sobrados e casas térreas (além de um castelo) ao longo da ladeira que começa do ladinho da Igreja de São Francisco.
É tanto sossego, que nem o cantar do galo me faz despertar nos raros pernoites que tenho passado lá nos anos recentes. Meu sono só costuma ser interrompido lá pelas 7 da manhã, quando a casa começa a ser tomada pelo cheiro e pelo chiado do dourar da cebola na banha, o primeiro passo do preparo do dito tutu.
Em novembro passado, durante uma conversa ao pé do fogão, tia Alicinha deixou escapar o segredo de sua longevidade e lucidez:
– Sabe, Guel, eu como muita cebola.
Não é impossível que tia Alicinha saiba que a Allium cepa reúne diversos benefícios nutricionais: rica em antioxidantes, minerais, vitaminas C e do complexo B, é uma boa arma para nossa imunidade.
Pensando bem, também sou um entusiasta da cebola, qualquer que seja sua condição: crua, assada, empanada, na sopa, dourada no azeite enquanto preparo o jantar e, claro, no molho servido como acompanhamento em alguns botecos. Não me importo nem um pouco, antes que o atento leitor ou a atenta leitora me perguntem, com o bafo de cebola que, é claro, irei ganhar depois do repasto (mas isso é assunto para algumas linhas adiante).
Na obra de referência História da Alimentação no Brasil, Luís da Câmara Cascudo, o grande estudioso da cultura brasileira, definiu: "A cebola foi uma das primeiras conquistas do molho", como quem diz: não há bom molho sem cebola.
Quem haverá de discordar? Tenho apenas, e humildemente, a acrescentar: que maravilha é um molho de cebola bem-feito, curtido em azeite e vinagre!
Ao pescar na minha memória afetivo-gustativa, logo fisgo o molho de cebola do Ao Chopp do Gonzaga, em Santos. Reza a lenda que a saborosa receita foi patenteada em 1963 e que leva 14 ervas diferentes no preparo. A verdade é que são 56 anos de história do bar, e não há quem resista a regar com várias colheradas do molho as fatias de pão francês enquanto aguarda pelo não menos célebre espeto de filé-mignon da casa.
Cá no alto da Serra do Mar, há pelo menos três molhos de cebola os quais não costumo recusar: o da galeteria O Brazeiro, acompanhamento perfeito para o frango grelhado e a polenta frita; o do Bar do Luiz Fernandes, excepcional escolta para o bolinho de carne da Dona Idalina; e o do Sujinho, de quem fui vizinho por uns bons sete anos, cuja acidez me permite abusar da gordura que nunca haverá de faltar na bisteca da casa.
Ah, sim: para combater o hálito de cebola, basta que eu beba uma xícara de chá verde depois da refeição. Tia Alicinha deve saber disso.
Vai lá:
Ao Chopp do Gonzaga. Avenida Ana Costa, 512, Gonzaga, Santos.
Bar do Luiz Fernandes. Rua Augusto Tolle, , 610, Mandaqui, São Paulo.
O Brazeiro. Rua Luís Góis, 843, Mirandópolis, São Paulo.
Sujinho. Rua da Consolação, 2063, Consolação, São Paulo.
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