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Boteclando

O Frangueiro e o frango a passarinho

Miguel Icassatti

02/11/2018 10h05

Frango a passarinho do FrangÓ: 24 a 48 horas submerso em marinada

A primeira vez que ouvi a expressão foi da boca do meu pai, naquele 14 de junho de 1982, primeiro tempo de Brasil x União Soviética pela Copa do Mundo da Espanha:

– Frangueiro!!!

Não entendi muito bem o significado do xingamento, mas, a julgar pela ira do velho, imaginei que seria um belo de um palavrão. A partir de então, sempre que via Waldir Peres na TV, com a camisa do Brasil ou a do São Paulo, vinha antes à minha cabeça a lembrança do gol feito pelo soviético Bal, que o grande Waldir Peres aceitou na estreia da Canarinho no mundial. Sócrates e Éder, com o mais incrível gol brasileiro na história das Copas, tratariam de garantir o 2 x 1 para nós.

Evidentemente, o xingamento ao Waldir foi uma grande injustiça do meu pai, visto que o carequinha camisa 1 foi um goleiraço, ganhou na marra o título brasileiro de 1977 para o São Paulo, foi ovacionado num Brasil x Alemanha em 1981 ao defender os pênaltis cobrados por Paul Breitner, e, bem, foi o dono da posição na mítica seleção de Telê Santana.

Razão pela qual, a partir de hoje, vou entender por "Frangueiro" um elogio, o maior ue um goleiro pode receber. Um Salve!, portanto, ao Waldir Peres (in memoriam), ao Daniel Caixote (o maior frangueiro que o bairro do Pari já viu), ao Sidão, grandes goleiros, grandes figuras, grandes vencedores.

E um Salve! Também a outro tipo de frangueiro, aquele que, na cozinha dos melhores botecos destas cercanias, prepara sua excelência o frango a passarinho. A esses anônimos, nossa reverência, afinal, poucas coisas alegram tanto as papilas gustativas deste redator quanto um frango a passarinho crocante e sequinho por fora, macio no interior.

Para atingir esse ponto perfeito, é preciso do frangueiro a manha e o tempo de bola de um Waldir Peres. O Norba, um dos sócios do FrangÓ, conta que ali no bar cada frango passa de 24 a 48 horas submerso em uma marinada feita com vinagre, alho, salsinha, cebola, colorau e outros temperos.

Passado esse tempo, a ave é cortada em diversos pedaços, das coxas às asas, do peito à espinha, com pele e tudo. Aí sim os pedaços são salgados e vão para o tacho a uma temperatura de uns 150 graus. Ao atingir o ponto, são porcionados e chegam à mesa do freguês acompanhado por alho frito, que também requer expertise e precisão na hora de sair do óleo, para que não fique amargo. A porção custa 57 reais.

Frango a passarinho da Camelo: um dos melhores de SP / Foto: divulgação FB Camelo

No Valadares, outro botecaço que serve um frango a passarinho espetacular (a 40 reais), o Mauricio, gerente, diz que ali são 24 horas na marinada e que a cada semana são pedidas 35 a 40 porções – cada ave converte-se em uma porção.

Frango a passarinho, aliás, é assunto sério em mesa de bar, embora seja difícil creditar sua origem: Quero crer que a receita pode ter desembarcado no Brasil com os imigrantes vindos da Itália na primeira metade do século 20. O "pollo alla uccellino", ou "frango a passarinho", em tradução literal, seria a receita-mãe do nosso petisco. Que seja.

O que não deixa de ser curioso é que em São Paulo, tal qual acontece com o pão de queijo, que tem suas melhores versões nas churrascarias, um frango a passarinho muito bom está no cardápio de uma pizzaria. No caso, a Camelo, aberta em 1957 nos Jardins, hoje com filiais. Não se deve dispensar a porção de frango a passarinho da casa (64 reais), devidamente acompanhada de um chope, mesmo que se vá encarar uma pizza depois. É tamanho família, como a minha, a sua e a do saudoso Waldir merecem.

 

Vai lá:

Camelo. Rua Pamplona, 1873, Jardim Paulista.

FrangÓ. Largo da Matriz de Nossa Senhora do Ó, 168, Freguesia do Ó.

Valadares. Rua Faustolo, 463, Vila Romana.

Sobre o autor

Miguel Icassatti é jornalista e curador da Sociedade Paulista de Cultura de Boteco. Foi crítico de bares das revistas “Playboy” (1998-2000) e “Veja São Paulo” (2000), editor-assistente e um dos fundadores do “Paladar/jornal O Estado de S. Paulo” (2004 a 2007), editor dos guias “Veja Comer & Beber” em 18 regiões brasileiras (2007 a 2010), editor-chefe do Projeto Abril na Copa (Placar) e da revista “Men’s Health Brasil” (2011 a 2014). É colunista de “Cultura de Boteco” da rádio BandNews FM e correspondente no Brasil da “Revista de Vinhos” (Portugal).

Sobre o blog

Os petiscos, as bebidas, os balcões encardidos, as pessoas e tudo que envolve a cultura de boteco e outras histórias de bar.