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Boteclando

A cerveja do bairro

Miguel Icassatti

19/12/2018 20h34

Les 3 Brasseurs: cerveja made in Itaim Bibi / Fotos: Miguel Icassatti

Ainda me lembro, com razoável dose de certeza, da primeira vez que visitei minha irmã na Alemanha, quinze anos atrás. Ela morava no bairro de Linden, em Hannover. Fomos a um knipe – o boteco dos alemães – e pedimos a cerveja d acasa. Veio uma Lindener, a cervejaria do bairro.

Fomos dar uma volta pela região central e chamamos outra cerveja num bar –bebemos a Gilde, a cerveja do bairro.

Aquele verão de 2003 na Europa foi absurdamente quente e, para minha sorte, eu estava no lugar certo. No meu mochilão, passei também por Itália, Holanda, Inglaterra e França, onde fiquei impressionado ao ver que as pessoas recorriam aos cinemas e às igrejas para se refrescar. Tivessem aproveitado para rezar a Saint Germain e São Pedro e talvez viesse uma brisa fresca lá do céu.

Mas a informação que retive daquela viagem e que de fato pode interessar a você que me lê é a que mencionei en pasant nos dois primeiros parágrafos: a cerveja de bairro.

Na Alemanha existem cerca de 1.500 cervejarias e a maioria delas são pequenas ou médias: produzem até 500.000 litros. Pude fazer um tira-teima dessa história das cervejas de bairro uns quatro ou cinco anos depois, quando minha irmã morou em Hamburgo. No bairro onde ela vivia, St. Pauli, bebíamos cerveja Astra. Se parássemos em um biergarten (ainda) mais centralizado, sorvíamos Holsten.

Industriais ou artesanais, eram cervejas de bairro. No fim dos anos 1990, São Paulo chegou a ter pelo menos quatro microcervejarias que poderiam se encaixar nesse conceito: o BrewPub, na Rua da Consolação, nos Jardins; uma cervejaria no Tatuapé (se não me engano era a dos Monges), a Cervejaria Continental, em Pinheiros e com unidades nos Jardins, em Campinas e Natal, e a Dado Bier, no Itaim Bibi, filial da marca gaúcha.

A questão é que esses quatro endereços tinham um foco difuso, eram uma mistura de cervejaria e balada, o que, creio eu, contribuiu para o fim de todos.

Agora a cena é diferente. O boom das cervejarias artesanais no Brasil acabou por gerar um efeito direto, justamente, o surgimento de novas microcervejarias em vários bairros de São Paulo.

O estado de São Paulo, aliás, mantém-se como o segundo com mais cervejarias nos país, de acordo com o Ministério da Agricultura (MAPA): são 144. O estado campeão é o Rio Grande do Sul, com 179 cervejarias. A seguir vêm Minas Gerais (com 112), Santa Catarina (102) e Paraná (88). Ao todo, são 835 as cervejarias brasileiras ativas, que produzem 170.000 marcas diferentes.

Nesta lista não estão as chamadas cervejarias ciganas, que são aquelas que produzem em fábricas terceirizadas.

Mas a Les 3 Brasseurs, por exemplo, faz parte dessa lista porque, embora de origem francesa, a cidade de Lille, a filial paulistana produz suas cervejas servidas aos paulistanos em pleno bairro do Itaim Bibi. Os rótulos seguem uma receita original – há um clone da levedura francesa – e por isso é mantido um padrão na casa aberta em 2013 e que irá ganhar uma segunda unidade na Rua dos Pinheiros, no primeiro semestre de 2019.

Les 3 Brasseurs: brewpub à moda francesa

E na segunda 5ª feira de cada mês é elaborado um rótulo sazonal, que pode levar até mesmo um malte de cevada cultivado em São Paulo: "é a Itaim, a nossa cerveja do bairro", conforme me contou Julien Lisbona, gerente da Les 3 Brasseurs. São feitos 600 litros dessa cerveja (R$ 15,00 o copo de 300 mililitros) e a próxima será uma de trigo.

A pioneira, por assim dizer, desta nova leva de brewpubs locais foi a Cervejaria Nacional, em Pinheiros, que produz regularmente um total de 10 mil litros por mês, divididos em cinco tipos, sempre com ingredientes brasileiros: a pilsen Y-Iara (R$ 12,00), a weis Domina (R$ 13,50), a ale Kurupira (R$ 14,50), a IPA Mula (R$ 15,00) e a stout Sa'Si (R$ 14,50), além de uma sazonal.

Vórtex, na Chácara Santo Antônio: witbier e IPA da casa

E a mais nova – ao menos à qual estive recentemente – é a Vórtex, na Chácara Santo Antônio. Inaugurada em março passado, fica num imóvel com pé-direito alto e um salão avarandado bem agradável. Tem capacidade de produção de 6.000 litros, das quais provei a leve witbier (R$ 9,00) e a IPA (R$ 14,00). Nas torneiras estão plugadas também outras 13 cervejas, de diferentes marcas.

 

Quando o assunto é cerveja, o bairrismo pode ser um bom ingrediente.

 

Vai lá:

Cervejaria Nacional: Rua Caravelas, 374, Vila Mariana.

Les 3 Brasseurs: Rua Fidalga, 254, Vila Madalena.

Vortex: Rua Alexandre Dumas, 1129, Chácara Santo Antônio.

Sobre o autor

Miguel Icassatti é jornalista e curador da Sociedade Paulista de Cultura de Boteco. Foi crítico de bares das revistas “Playboy” (1998-2000) e “Veja São Paulo” (2000), editor-assistente e um dos fundadores do “Paladar/jornal O Estado de S. Paulo” (2004 a 2007), editor dos guias “Veja Comer & Beber” em 18 regiões brasileiras (2007 a 2010), editor-chefe do Projeto Abril na Copa (Placar) e da revista “Men’s Health Brasil” (2011 a 2014). É colunista de “Cultura de Boteco” da rádio BandNews FM e correspondente no Brasil da “Revista de Vinhos” (Portugal).

Sobre o blog

Os petiscos, as bebidas, os balcões encardidos, as pessoas e tudo que envolve a cultura de boteco e outras histórias de bar.