Sobre sanduíches de pernil, bolinhos de bacalhau e um rissole Michelin
Acredito não haver dúvida no fato de que os botecos, no que diz respeito tanto à forma quanto ao conteúdo, sejam descendentes diretos das tascas portuguesas. Um balcão (com o dono da bodega ou alguém da família à frente), algumas mesinhas e, à venda, uns tragos e especialidades da casa, como bolinho de bacalhau e sanduíche de pernil. Dos dois lados do Atlântico é assim.
Cá em São Paulo – na verdade aí, visto que estou a redigir este texto durante um voo entre Portugal e Alemanha –, de fato, podemos comer ótimos sanduíches de pernil e deliciosos bolinhos de bacalhau.
Se sou capaz de garantir que é em Portugal que encontro o melhor sanduíche de pernil, o mesmo não posso dizer, de jeito nenhum, do bolinho de bacalhau – e olha que esta não é a minha primeira vez no pais. Em matéria de bolinho de bacalhau, São Paulo não tem para ninguém.
A começar pelo fato de que nas tascas lusitanas é raro encontrar bolinhos que sejam fritos na hora em que o cliente pede. Já aconteceu comigo em Lisboa, Évora, Guimarães, Coimbra e no Porto: ao pedir um pastelinho de bacalhau, como são chamados, recebi um salgado frio. Questão de costume? Pode ser, mas em São Paulo estou mal-acostumado a pedir e receber um bolinho frito na hora, como acontece, por exemplo, no Bar Léo, às quartas e sábados, dias em que são servidos ou no Dona Felicidade, minha pedida de sempre para começar qualquer refeição ali.
Já no Porto, me ocorreu de pedir um bolinho de bacalhau na Casa Guedes e recebe-lo friozinho da silva. Pudera, a coisa certa a fazer ali é tomar lugar na fila, separar uma nota de 5 e uma moeda de 1 euro e pedir ao sr. Manuel, no caixa, um sanduíche de pernil com queijo de ovelha mais um chope (ou "fino"). Em seguida, aguardar no balcão, de preferência a observar o sr. César, o irmão mais novo do Manuel, a montar o sanduíche, cuja carne é assada à moda de Baião, vilarejo de 3.000 habitantes nos arredores do Porto.
O ritual de montagem da 'sande' segue o seguinte passo-a-passo: 1. Corta-se ao meio o pão de bola ligeiramente torrado; 2. Deita-se uma fatia de queijo de ovelha sobre a banda debaixo; 3. Apanham-se umas lascas de pernil; 4. Derrama-se, por fim, boa quantidade do molho do próprio assado.
Tentei arrancar do seu Manél qual seria o segredo daquele saboroso molho cor de ferrugem, mas ele desconversou. O que se sabe é que é assado pela dona Albertina (talvez seja pela dona Augusta, a cunhada; por favor, o leitor só não me pergunte qual delas é a esposa do César e quem é casada com o Manél).
Sem nenhum demérito ao pernil do Estadão, com seu molho de pimentão e cebola, ou ao que o Zé Luis serve no Pompeia Bar, na minha opinião o mais gostoso entre os sandubas que ele prepara ali na zona Oeste.
Mas na Casa Guedes, reafirmo, está o melhor sanduíche de pernil que já comi.
(PS: e por falar em boteco, na sexta-feira passada, durante o jantar que a Revista de Vinhos anunciou os 10 melhores vinhos de Portugal lançados em 2018, comi um rissole de camarão no The Yeatman, em Vila Nova de Gaia. Um petisco de botequim, quem diria, presente no cardápio de um restaurante que ostenta duas estrelas Michelin. Quer saber? O rissole do Bar do Luiz Nozoie, no Bosque da Saúde, merece três.)
Vai lá:
Bar do Luiz Nozoie. Avenida Bosque da Saúde, 1210, Bosque da Saúde.
Bar Léo. Rua Aurora, 100, centro.
Casa Guedes. Praça dos Poveiros, 130, Porto.
Dona Felicidade. Rua Tito, 21, Vila Romana.
Estadão Bar e Lanches. Viaduto Nove de Julho, 193, centro.
Pompeia Bar. Rua Augusto de Miranda, 712, Pompeia.
The Yeatman. Rua do Choupelo, 4400-088, Vila Nova de Gaia.
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