Topo

Boteclando

Por que a reabertura dos pubs no Reino Unido é a melhor notícia da pandemia

Miguel Icassatti

26/06/2020 04h00

(Getty Images)

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, anunciou esta semana que integrantes de famílias diferentes poderão se reunir em ambientes fechados, a regra de distanciamento social de 2 metros será reduzida pela metade e os pubs poderão reabrir. Tudo isso a partir 4 de julho.

Nos pubs, porém, não será permitido ao cliente encostar-se no balcão. Apesar dessa limitação e de ser restrita ao Reino Unido, a reabertura dos pubs é a melhor notícia que o mundo ganhou até aqui desde o início da pandemia – esperamos que a vacina contra o coronavírus seja a outra.

E é a melhor notícia porque traz um sinal de esperança para a humanidade, afinal, o pub é uma de suas grandes invenções. Os restaurantes por quilo – uma criação brasileira! –, e os bufês de café da manhã de hotel talvez sejam coisa do passado. Mas os pubs, oh, Lord, renascerão.

O "British Pub" não é simplesmente um lugar para beber uma cerveja ou um drinque qualquer. Para a cultura dos britânicos é um ponto de convívio social. Em muitas das aldeias e vilarejos pontilhados pelo interior de Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, eles têm o papel de centro aglutinador da comunidade. Tanto (ou mais) quanto uma igreja, um boteco, uma padaria, a casa de nossos pais.

No passado, cervejarias e tavernas tiveram autorização para hospedar e oferecer comida e bebida aos forasteiros mediante o pagamento de um valor – não é por acaso que "pub" seja a corruptela de "Public House" (ou "Casa Pública" em tradução livre). Os primeiros teriam surgido há 2.000 anos. Em meados do século XVI, teriam havido cerca de 19.000 desses estabelecimentos na Inglaterra e no País de Gales: um pub para cada 200 britânicos – hoje seria um para cada 1.000 súditos da Rainha Elizabeth II. Em meados do século XVII, alguns chegaram até a emitir moedas próprias, que os donos podiam trocar por libras esterlinas.

Para nós, um pub não traz toda essa simbologia embora, sim, seja um estilo de bar que nos serve nos momentos de celebração, quando juntamos os amigos, e mesmo nos de introspecção, quando queremos simplesmente tomar um pint de Guinness ao balcão.

Lembro-me que – mas não sei o porquê – peguei um blazer emprestado de um amigo quando, aos 17 anos, fui pela primeira vez ao Victoria Pub, finado endereço na Alameda Lorena, no bairro paulistano dos Jardins. Mais velho, vim a beber um Irish Coffee dos bons no Finnegan's Pub, em Pinheiros, um herói da resistência na noite paulistana.

Em Garibaldi, cidade na Serra Gaúcha famosa pela produção de bons espumantes nacionais, estive por duas vezes no mais improvável dos pubs brasileiros, o Bar do Joe, onde me esgoelei ao som de bandas cover, que só perde em memória afetiva para o Downtown Pub, no centro histórico de Recife, que conheci em 1997. Devo ser o não-recifense a mais vezes ter colocado meus pés ali, conforme podem atestar meus amigos Emerson e Carol.

De acordo com o jornal londrino The Guardian, o próprio Boris Johnson confessou sua ansiedade para voltar a um pub. É óbvio que, tanto lá quanto cá, autoridades estão sendo pressionadas pela retomada dos diversos setores da economia. Questionado se não poderia recair sobre si a culpa por um novo aumento de casos de Covid-19 por causa da reabertura dos pubs, ele disse que "sim, é claro, eu tenho responsabilidade, o governo tem responsabilidade por essas decisões. Somos gratos aos nossos cientistas por seus conselhos mas temos de tomar decisões". E garantiu que não hesitará em recuar se o número de casos voltar a crescer.

Acrescento que os frequentadores de pubs terão também sua responsabilidade. Eles deverão, segundo o The Telegraph, de deixar anotados no pub seus dados pessoais e horário em que estiveram ali, para fins de futuro rastreamento, se necessário. Deverão manter a distância regulamentar, usar máscara, seguir procedimentos de higiene, tais quais os staffs dos próprios pubs. O monitoramento por parte das autoridades, por sua vez, terá de ser impecável.

É um risco? Sem dúvida, mas para um povo que conseguiu domar os hooligans e enfiar no xadrez muitos daqueles maus torcedores do futebol, talvez seja um laboratório para uma situação com a qual tenhamos que lidar em lugares de convívio social em qualquer parte do mundo, e por tempo indeterminado.

Sem contar que o Reino Unido ocupa o segundo lugar no ranking de testes de detecção de COVID-19, com 122.422 testes para cada milhão de habitantes, enquanto no Brasil essa relação é de 12.603 para cada milhão, o que indica que a chance de subnotificação aqui seja enorme.

Esta é a principal razão pela qual discordo da reabertura dos bares em São Paulo, prevista para segunda-feira, 29 de junho – cinco dias antes do que no Reino Unido. Foi o que disse o prefeito Bruno Covas (PSDB) ontem, em uma live do Banco Itaú. Ele condiciona a reabertura dos estabelecimentos à evolução de fase da cidade para a categoria amarela, de acordo com o Plano São Paulo, imposto pelo governo do Estado.

O setor de bares propõe que os estabelecimentos mantenham distância de 1,5 metro entre as mesas e de 1 metro entre as cadeiras. Já o Plano São Paulo prevê atendimento apenas em casas que tenham mesas em área externa, mantidas essas e outras ações mencionadas em um protocolo.

Mais prudente para nós seria acompanhar o modelo inglês, torcer para que dê certo por lá e adaptar para a nossa realidade.

Sorte dos britânicos, que em breve poderão também sentarem-se ao balcão. Mais um pouco, erguerão brindes. A Rainha Elizabeth II, posso apostar, decerto tirará suas luvas e irá segurar um pint de red ale no The Argyll Arms, ali nos arredores de Oxford Circus, que já está aceitando reservas, aliás para o dia D.

Enquanto isso, aqui seguimos com a máscara a sustentar nosso queixo.

Sobre o autor

Miguel Icassatti é jornalista e curador da Sociedade Paulista de Cultura de Boteco. Foi crítico de bares das revistas “Playboy” (1998-2000) e “Veja São Paulo” (2000), editor-assistente e um dos fundadores do “Paladar/jornal O Estado de S. Paulo” (2004 a 2007), editor dos guias “Veja Comer & Beber” em 18 regiões brasileiras (2007 a 2010), editor-chefe do Projeto Abril na Copa (Placar) e da revista “Men’s Health Brasil” (2011 a 2014). É colunista de “Cultura de Boteco” da rádio BandNews FM e correspondente no Brasil da “Revista de Vinhos” (Portugal).

Sobre o blog

Os petiscos, as bebidas, os balcões encardidos, as pessoas e tudo que envolve a cultura de boteco e outras histórias de bar.