Da receita da sua avó à do bar: o bolinho de arroz vale ouro
O "bolinho" era da coisas mais gostosas que aparecia de vez em quando à mesa lá em casa. Se me perguntassem "é bolinho de quê?", aos 6 ou 7 anos, eu não saberia dizer quais eram os ingredientes. Era simplesmente o bolinho, no máximo, o bolinho da vó, com quem morávamos e a quem confiávamos a cozinha.
O bolinho tinha a mesma origem do mexido, um clássico do jantar de muitas famílias de classe média baixa com alguma ascendência mineira. Dividia com ele as sobras do almoço. O mexido ficava com o que restasse de feijão, bife (coxão mole bem frito e picado), ovo, temperos, toucinho de vez em quando e parte do arroz.
O restante do arroz (bem cozido, 10 colheres de sopa) ficava pro bolinho da vó que, segundo minha mãe e para tal proporção, levava um ovo, uma cebola picada, alho (2 dentes, amassados), farinha de trigo só para dar liga, cheiro-verde e, de vez em quando, uma abobrinha picada, talvez quiabo.
Nesta semana em que a polêmica foi a alta no preço do arroz (domingo passado, paguei 11,80 reais no pacote de 2 quilos), vieram à minha cabeça alguns flashes daqueles anos 1980: tabelamento de preços, fiscais do Sarney, sumiço do boi gordo, prateleiras dos supermercados vazias, "compra do mês".
Felizmente, veio ele também, o bolinho, que ao longo da minha vida foi ganhando versões mais ou menos incrementadas e diferentes temperos.
Tão popular nos nossos pratos, o arroz era alimento suplementar até o século XIX no Brasil, quando cabia à farinha de mandioca a parceria com o feijão na dieta diária. Quem nos conta é o folclorista Luís da Câmara Cascudo, no indispensável História da Alimentação no Brasil.
Segundo ele, foram os árabes que difundiram o arroz no ocidente: "Os árabes deram nome ao arroz, arruz como ainda pronunciam no sul de Portugal, e plantaram-no excelentemente na Espanha. Passou à Itália ao meio-dia da França, determinando doçaria também, pudim, bolo, papas, arroz-doce".
Daí que é possível inferir que em algum ponto da história o bolinho de arroz de nossas avós seja descendente do arancino, o bolinho de arroz italiano. De acordo com um artigo de 2018 da revista La Cucina Italiana, a origem do arancino, como todos os pratos à base de arroz no sul da Itália, deve ser colocada no contexto do domínio árabe naquela região, entre os séculos IX e XI. "Na verdade, os árabes costumavam enrolar um pouco de arroz com açafrão na palma da mão e temperar com carne de cordeiro".
Ainda segundo o artigo, o médico e pesquisador Giambonino da Cremona escreveu em seu Liber de ferculis, no século XIII, que os árabes tendiam a chamar as almôndegas com um nome que remetia a uma fruta até certo ponto semelhante: no caso desse bolinho de arroz com açafrão, a arancia (laranja), muito comum na Sicilia. Palermo e Catânia, as duas maiores cidades da ilha, aliás, duelam pela origem da receita do arancino, que ao longo do tempo e a depender da região, ganha ou perde ingredientes, em especial queijo.
Um bolinho de arroz que fica no meio do caminho entre a receita de nossas avós e o arancino, além do quê um clássico da gastronomia paulistana, é aquele servido no Ritz, onde a porção sai a 37 reais, com 10 unidades, ou 26 reais, com 6, e cuja valiosa receita compartilho aqui:
Bolinho de arroz do Ritz
Ingredientes:
4 xícaras de arroz bem cozido
4 ovos
¼ de xícara de farinha de rosca
1 xícara de queijo parmesão ralado
½ colher (chá) de fermento em pó
½ xícara de salsinha picada
½ xícara de cebolinha picada
½ colher (chá) de sal
¼ de colher (chá) de pimenta-do-reino
1 litro de óleo para fritar
Preparo:
Coloque numa tigela o arroz, os ovos, a farinha de rosca, o queijo, o fermento, a salsinha e a cebolinha. Tempere com o sal e a pimenta-do-reino. Misture bem.
Numa frigideira funda, aqueça o óleo e doure os bolinhos, que devem ser moldados na mão, um a um.
Retire com uma escumadeira, escorra bem e sirva em seguida.
Rendimento: de 30 a 40 bolinhos.
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